09/02/2007

Como usar um ‘baralho’ de 57 milhões de €

Recentemente muitas ‘cartas’ e alguns artigos se tem voltado a dar sobre a permuta dos terrenos do Parque Mayer com os de Entrecampos, e os intervenientes Câmara de Lisboa e BragaParques.
Se quase ninguém se tem referido à legalidade da célebre carta que a empresa enviou à CML e esta à AML (excepção feita ao artigo “Discussão sobre um direito de preferência” publicado pelo jornalista José Carlos Mendes no URL
http://carmoeatrindade.blogspot.com/2007/02/lisboa-discusso-sobre-um-direito-de_5130.html e a Margarida Davim com "Serviços decidiram preferência" no Sol), nenhum órgão de comunicação social cita a intervenção do deputado municipal do PEV na última sessão extraordinária da AML do passado dia 6 de Fevereiro.
Para que não restem dúvidas sobre os argumentos apresentados, aqui transcrevemos, na íntegra, essa intervenção do deputado de “Os Verdes” José Luís Ferreira.

“A Assembleia Municipal de Lisboa reúne hoje para proceder a uma reflexão e debater o actual momento do Município ou, mais exactamente, a situação da Câmara Municipal de Lisboa. Era, portanto, o debate que, face às circunstâncias, se impunha, e por isso também o requeremos.
No entendimento de “Os Verdes”, o clima de suspeição que se instaurou no seio do executivo camarário deve-se sobretudo, mas não exclusivamente, às investigações judiciais que estão a decorrer, em virtude de suspeitas de irregularidades e cujo alcance não é ainda conhecido.
Para nós, ao que se está a passar, também não é alheia a opção em continuar com práticas ou políticas do anterior mandato. O mandato que assentava em projectos urbanos de duvidosa razoabilidade, como o Túnel do Marquês, o mandato que nos primeiros 8 meses de gestão reabilitava o Parque Mayer e o mandato que procedia a avaliações de terrenos dispensando os instrumentos que permitiam saber se esses terrenos eram edificáveis e em que moldes.
E se não se trata de uma opção, então teremos que concluir que tem faltado capacidade para sacudir essas políticas e rasgar outro caminho.
Então tem faltado capacidade ou coragem política para cortar com as práticas do anterior mandato, como seja o recurso aos índices máximos de edificabilidade admitidos para cada projecto, ou a perversão dos processos urbanísticos, como o Vale de Santo António, onde a venda de um lote de terrenos e respectivos direitos de construção, colocados a concurso pela EPUL, permitiram ao comprador num único dia, fazer uma mais-valia de 450 mil euros; ou os Planos de Pormenor, no mínimo estranhos como o Alcântara XXI, ou a transformação das regras excepcionais em regra geral, como sucedeu com a Lismarvila, ou ainda as duvidosas alterações simplificadas do PDM que têm permitido a especulação imobiliária por toda a cidade.
A tudo isto acresce o fim da coligação e a consequente perda da maioria no executivo, com o envolvimento de Marques Mendes numa nomeação de Câmara. Por fim, o acentuar do descontrolo da situação financeira do Município, com um aumento da dívida em cerca de 10 vezes mais.
Foram, portanto, a nosso ver, todos estes factores que contribuíram para se chegar ao estado de descrédito generalizado em que se encontra o executivo camarário, mas com o processo dos terrenos da Feira Popular e do Parque Mayer a merecer, naturalmente, a maior fatia de responsabilidade.
Destaquemos aqui 4 questões:
Qual o destinatário da carta / ofício da Bragaparques;
Qual o artigo do regimento que nos diz que à AML compete votar ofícios, despachos;
Quando é que a CML votou esse ofício (Nunca!);
Porque é que a Bragaparques foi o único concorrente a pedir esclarecimentos.
E sobre esta matéria será útil reafirmar hoje, aquilo que a seu tempo dissemos. Do nosso ponto de vista, a CML não devia ter avançado com o negócio dos terrenos da Feira Popular e do Parque Mayer sem a prévia aprovação dos Planos de Urbanização para a Avenida da Liberdade e zonas envolventes e do Plano de Alinhamento e Cérceas da Avenida da República: só estes instrumentos permitiam uma avaliação real do valor dos terrenos.
Porém, do nosso ponto de vista, esta Assembleia não concedeu nenhum direito de preferência sobre a aquisição dos terrenos remanescentes da Feira Popular, tão só porque esta Assembleia não vota nem tem de votar ofícios ou qualquer correspondência dirigida ao Presidente da Câmara, e o mesmo ofício não foi votado em Câmara, nem fazia parte da Proposta.
Um processo que os órgãos judiciais, a seu tempo, avaliarão, mas que nos mostrou que foi necessário a Bragapaques solicitar esclarecimentos à Comissão de Hasta Pública para que os outros concorrentes tivessem conhecimento, a nosso ver tardio, do seu direito de preferência, a nosso ver inexistente.
À Empresa Joaquim Gomes devemos o facto da Câmara Municipal ter encaixado nessa hasta pública mais 5 milhões de euros, já que se resolvesse fazer como fizeram as duas empresas que apresentaram os valores mais altos, desistindo, a CML alienava o terreno por 57 milhões de euros e não pelos 62 milhões que a Bragaparques, exercendo o tal direito de preferência, acabou por pagar. E a Câmara nada lhe perguntaria, tal como fez aliás, com as outras duas desistências.
Mas o processo do Parque Mayer começou mal e mal continua. Vejamos:
A CML ficou proprietária do Parque Mayer em Agosto do ano passado; meio ano depois o parque de estacionamento continua a ser explorado pela Bragaparques e pelo que se sabe sem pagar 1 cêntimo à CML. A que título? Porquê? Quanto representa meio ano de pelo menos 100 lugares de estacionamento? Foi quanto a CML deitou fora e até quando não se sabe.
Depois, as rendas dos inquilinos do Parque Mayer referentes a Agosto e Setembro do ano passado foram pagas à Bragaparques, apesar do Parque Mayer já estar na posse da CML, porque esta não se dignou comunicar atempadamente que a partir de Agosto era proprietária e portanto deveriam passar a pagar à CML as respectivas rendas.
Por fim, a CML aceitou o Parque Mayer sem que a Bragaparques libertasse ou resolvesse os problemas das pessoas que exploram os restaurantes. Ficámos a saber ontem pelo Sr. Director Municipal dos Serviços Centrais que a Bragaparques se comprometeu a pagar eventuais indemnizações para libertar os espaços, quando houver projecto. Eventuais encargos que, atendendo ao estado dos prédios onde se situam os restaurantes, serão, já se vê, da responsabilidade da Câmara.
É a defesa do interesse público, com base no osso e na carne, no brinde e na fava. O executivo está a viver maus dias, é verdade! Mas pior está, certamente, Lisboa!
O Sr. Presidente, como diz Pacheco Pereira, “deve ter a consciência de que o PSD, até hoje, na Câmara, só fez asneiras...” e estas asneiras, agora dizemos nós, estão na origem desta situação, da qual é preciso fugir, mas é também preciso que o Sr, Presidente nos diga como vai fazê-lo.
Este impasse, esta incerteza, este silêncio não beneficia ninguém e, principalmente, não beneficia Lisboa nem as pessoas que cá vivem ou trabalham. E se alguma utilidade podemos retirar destas asneiras, é aprender com elas para as podermos evitar no futuro”.

De facto, quando na hasta pública a BragaParques se apresentou com uma “carta na manga”, brandindo um “trunfo” de 57 milhões de €, foi apenas porque a Câmara de Lisboa lhe concedera uma “carta fora do baralho”.

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