06/03/2007

Hortas citadinas

Em Lisboa há centenas de hortas em terrenos camarários cultivadas ao milímetro ao arrepio das autarquias, segundo se afirma num artigo do DNotícias de ontem 1.
Diz-se que nada daquilo lhes pertence, só têm água quando o céu dá, mas vão-se deixando ficar assim, à mercê dos elementos. Impregnam de sementes os terrenos encravados entre os viadutos, alguns de acesso quase malabarístico, todos de propriedade alheia. Os ‘agricultores de berma de estrada’ dividem os terrenos entre si e cultivam com esmero. Parecem genuinamente pobres, dizem que o fazem por necessidade e "entretém". Por lá também passam os "oportunistas" que "vêm para catar caracóis e levam tudo, da cebola ao alho".
Os especialistas – os ‘técnicos de gabinete’ ! – defendem o cultivo de vegetais nas cidades e as Nações Unidas acreditam mesmo que só (?) assim se pode garantir alimento à população mundial que está a concentrar-se nos grandes centros urbanos. E as toneladas de excedentes dos países ditos desenvolvidos? Alguém duvida para onde vão? São destruídos para não lhes baixar o valor comercial.
Depois temos as modernidades sociais. Em São Petersburgo a agricultura urbana começou nos telhados em... 1993. Em Londres os principais produtos são as uvas, batatas, maças e flores. Na Holanda 33% da produção verde sai das grandes cidades. Em Bakamo, no Mali, dois mil agricultores fazem agricultura de subsistência. No Porto existem hortas encaixadas entre os prédios das Antas e os palacetes da Avenida dos Combatentes, como forma de complementar o parco rendimento familiar.
Em Lisboa e no Porto muitos são aqueles que ocupam terras para plantar hortas. A FAO diz que têm um papel no futuro. Serão as hortas receita para o futuro das cidades? Ou estamos a referir-nos, com eufemismos, à pobreza dos imigrantes urbanos?
Em Telheiras, uma horta comunitária de bairro, habitado por uma população jovem, com estudos, de classe média e média alta e com filhos, teria uma função diferente. Proporcionaria a prática de uma actividade ao ar livre, ocupação de tempos livres, e permitiria às muitas crianças pôr as mãos na terra (no jardim de infância local há uma pequena horta por turma). Uma socióloga esclarece que “há um preconceito que o rural é pobrezinho” e critica “ as hortas clandestinas, de lata, muito feias, em locais de contaminação feitas às revelias dos proprietários dos terrenos”.
Estas pequenas hortas visam promover o contacto com a natureza e os hábitos saudáveis. Nesses locais pode ser disponibilizada água de rega e espaço para guardar as ferramentas. Pelo que bastaria pôr as mãos à terra, esperar pelos frutos e... consumir.
Só que depois temos aquelas a que lhes chamam "hortas de lata", que para os seus cultivadores são um luxo. Cultivam terrenos e deles retiram alimento para toda a família, porque a maioria, vivendo em bairros sociais, estão... abaixo do nível de pobreza.
Portugal é um dos países da União Europeia onde o risco de pobreza é mais elevado, sobretudo entre as pessoas que trabalham. De acordo com dados publicados pela Comissão Europeia, 20% dos portugueses viviam em 2004 abaixo do limiar de pobreza - fixado em 60% do rendimento médio nacional depois de incluídas as ajudas sociais - contra uma média comunitária de 16%. Para a Comissão, o risco de pobreza é agravado com o aumento do desemprego - que subiu em Portugal de 4% da população activa em 2000 para 7,6% em 2005. Mas igualmente com a elevada taxa de abandono escolar (38,6% em 2005 contra 42,6% em 2000) - e o baixo nível de escolaridade dos jovens (48,4 em 2004 contra 42,8% em 2000), dois indicadores em que Portugal está "muito abaixo da média da UE" 2.
Hortas urbanas, porque será que precisam delas? Em Portugal um quinto dos cidadãos vive no limiar da pobreza. Estima-se que sejam cerca de dois milhões.
1. “Hortas de lata urbanas são um luxo para muitos” por Marina Almeida no URL http://dn.sapo.pt/2007/03/05/cidades/hortas_lata_urbanas_um_luxo_para_mui.html
2. Ver o URL
www.publico.clix.pt/shownews.asp?id=1286192&idCanal=90

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