03/02/2009

Cimento ou alimento?

Com uma dependência alimentar externa cada vez maior - por exemplo, mais de 85% dos cereais e leguminosas que consumimos são importados - a nossa Reserva Agrícola Nacional (RAN) deveria ser escrupulosamente acautelada, quanto mais não seja por uma questão de segurança estratégica.
Os nossos solos classificados como 'muito férteis' já correspondem apenas a 4,5% da superfície cultivável e somos o país da UE com maior percentagem de solos férteis impermeabilizados por construções de vária ordem. Apesar disto, o processo continua justamente sobre os nossos solos de melhor qualidade: as grandes plataformas logísticas, desde a de Castanheira de Pêra à da Trofa - estão a ser construídas nos tais 4,5% de solos muito férteis. Tal como a futura cidade aeroportuária também se projecta para cima de uma das melhores zonas hortícolas do país.
Esta fúria de destruição das reservas agrícolas tornou-se tão insistente e regular que o próprio Ministério da Agricultura criou a dada altura um gabinete de... ‘Desanexação da RAN’! É bizarro ver um Ministério da Agricultura tão zelosamente anti-agrícola...
O sentido anti-agrícola do Ministério da Agricultura não se fica pelos solos... As importantes medidas agro-ambientais que a UE promove e generosamente nos financia, têm sido manhosamente desincentivadas e até impedidas pelo próprio Ministério da Agricultura que as gere e deveria promover. Também aqui era mais rápido dizer que são proibidas.
O pacote de medidas agro-ambientais, que é da maior importância para a excelência das produções e das suas respectivas condições naturais, tem vindo a ser drasticamente mutilado e asfixiado. Por exemplo, em Planos Zonais como o de Castro Verde, o prémio médio por hectare passou de cerca de 80 euros, em 1997, para metade no início dos anos 2000 e agora para um quarto. Além deste claro desincentivo que deixa de compensar o agricultor, o dispositivo regulamentar e burocrático para aceder às medidas, chega a ser grotesco de tão complicado e até impossível de satisfazer para um agricultor médio que não possa contratar uma empresa.
Acresce que as medidas acabam por beneficiar sobretudo os proprietários com maior capacidade de investimento, dado que os apoios são apenas pagos no ano seguinte. Tudo isto será incompetência ministerial? Não. Parece má fé.
É que os fundos europeus destinados às agro-ambientais, se não forem gastos, podem ser aplicados a outros fins e o Ministério da Agricultura encontrou neles uma espécie de expediente de caixa. Quanto mais não seja por uma questão de dignidade, neste ano de eleições europeias, o fenómeno deveria ser fiscalizado.
Podemos dizer que a UE está a ser burlada nas suas intenções por uma conduta matreira do Ministério da Agricultura. Para não falar nos danos que esta 'despolítica' está a trazer a um país onde as agro-ambientais deveriam ser agarradas com as duas mãos.

Ler Luísa Schmidt IN
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