29/03/2009

Exige-se respeito pelas bicicletas

Final de tarde de 6ª fª, hora de ponta em pleno centro de Lisboa. Subitamente, no Marquês de Pombal, mais de 50 pessoas montadas em bicicletas invadem a rua. Dão três voltas à rotunda, o ritmo lento, as campainhas a fazer ‘drin drin’, os carros obrigados a abrandar o andamento, o povo espantado a olhar.
Mas o que é isto? Uma prova de ciclismo? Nada disso. “Nós não andamos aqui a brincar aos ciclistas. Este é o nosso veículo para ir trabalhar, para ir às compras, para fazer as nossas vidas. É um veículo que tem dignidade e tem que ser respeitado”.
Não é, repita-se, uma prova de ciclismo. O evento, a manifestação, a concentração, enfim, o que lhe queiram chamar, tem um nome: ‘Massa Crítica’. E acontece em várias cidades do mundo, a cada última 6ª fª do mês, num serpentear pelas artérias da capital.
São 54 bicicletas, outros tantos a dar ao pedal. A grande maioria é gente dos 20 aos 30 anos. Nem todos se conhecem mas o diálogo flui com facilidade porque ali há algo que os une: uma certa consciência ecológica, um gozo tremendo em rasgar o vento montado no mais inofensivo meio de transporte.

A ‘Massa Crítica’ segue em pelotão pela Avenida Fontes Pereira de Melo, passa o Saldanha, segue pela Avenida da República, vira à direita no Campo Pequeno. Os carros, atrás, parecem respeitar a meia centena, ainda que muitos não devam perceber o que se passa. Sempre que podem, ultrapassam pela esquerda, sem reclamar, uma apitadela talvez, mas nada de grave. No passeio, volta e meia, há peões que sorriem e aplaudem.
Curiosamente (ou não) uma parte significativa dos participantes não é grande apologista das ciclovias. Admitem que podem ser úteis mas também as encaram como factor de segregação. “Nós devemos estar integrados dentro do trânsito”, refere o autor de uma petição na internet que se insurge contra o facto do Orçamento de Estado para 2009 incluir um incentivo fiscal à compra de veículos eléctricos ou movidos a energias renováveis não combustíveis, mas não contemplar as bicicletas 1.
Também de cada vez que se fala em andar de bicicleta em Lisboa, não faltam reacções de espanto e cepticismo sobre a sua exequibilidade, temendo-se ‘as subidas’ e receando-se ‘as sete colinas’. Ora, um engenheiro civil dedicou a sua tese de mestrado à ‘Contribuição do modo bici na gestão da mobilidade urbana” e estudou seriamente o assunto, descobrindo que “mais de metade da cidade de Lisboa é praticamente plana” 2.
As Massas Críticas são passeios auto-organizados e independentes - geralmente apenas o local de encontro, o dia e o horário são definidos. Em algumas cidades, o trajecto, o ponto de chegada e as actividades ao longo do percurso são decididas somente quando o evento já esta ocorrendo.
Existe, claramente, um carácter de protesto nesses eventos: os participantes demonstram, se reunindo em público, as vantagens de usar a bicicleta como meio de transporte nas cidades e também alertam para as mudanças necessárias no espaço urbano para melhor acomodar os ciclistas 3.

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