05/07/2016

Intervenção do PEV na Declaração política sobre o "Combate ao Desperdício Alimentar", proferida em 5 de Julho de 2016


 
Os modelos e padrões de produção e de consumo alimentar são uma matéria fulcral para quem age, não apenas sob o princípio da sustentabilidade, como na procura de gerar justiça ambiental e social. Quando falamos de desperdício alimentar, falamos de alimentos destinados ao consumo humano que acabaram por ser inutilizados em quantidade ou em qualidade. Ou seja, esbanjam-se recursos naturais para produzir bens alimentares que depois acabam no lixo, gerando graves impactos ambientais e económicos ao longo das diferentes fases da cadeia alimentar.
Do ponto de vista social é angustiante que se deitem literalmente fora um conjunto significativo de alimentos que poderiam contribuir para satisfazer necessidades básicas alimentares de uma parte da população, perpetuando o empobrecimento, em vez da satisfação das mais elementares necessidades de subsistência.
Esse desperdício verifica-se desde a produção ao processamento, do armazenamento ao embalamento, do transporte aos pontos de venda para consumo. E quanto mais longa for essa cadeia, maior é a probabilidade de desperdício. É preciso perceber, com rigor, as causas que geram esta situação e criar as condições e metas para pôr fim ao problema, envolvendo a sociedade e todos os agentes implicados.
É preciso que o combate ao desperdício alimentar inclua um programa de acção nacional que congregue iniciativas municipais já em curso, como no caso de Lisboa, com ampla participação dos cidadãos e dos agentes envolvidos. É preciso consciencializar os consumidores sobre a diferença entre data limite e data preferencial de consumo. Para além da redução e eliminação do desperdício alimentar, é urgente que se solucionem os problemas estruturais de pobreza, garantindo formas dignas de subsistência das famílias portuguesas.
É necessário sensibilizar para a disponibilização de embalagens mais reduzidas, que se adequem às dimensões dos agregados familiares, bem como promover o princípio da produção e consumo locais, reduzindo fases da cadeia de distribuição.
Há exactamente um ano (3/6/2015), por proposta do GP de Os Verdes, Portugal declarou o ano de 2016 como o ano nacional contra o desperdício alimentar, mas a grande maioria dos princípios aprovados nunca entrou em prática. Entretanto, já no final de 2014, Lisboa criara e reunira pela primeira vez o Comissariado Municipal de Combate ao Desperdício Alimentar.
Este Comissariado estabeleceu um conjunto inicial de objectivos, tais como criar uma rede citadina de forma sustentável, com a finalidade de optimizar a recolha do desperdício alimentar em tempo útil, alargar a distribuição de excedentes alimentares, recolocando-os nos núcleos familiares, através de uma rede de organizações de voluntariado, que deveriam garantir a distribuição de bens alimentares para doação, em condições de qualidade, higiene e segurança. Estabeleceu parcerias com associações de voluntariado e subscreveram-se protocolos com 23 das 24 Freguesias de Lisboa.
Estas comprometeram-se a participar com um conjunto de iniciativas locais.
1º, criando um núcleo de agentes, composto pelas diversas instituições que actuem no território da sua Freguesia, com condições para oferecer uma resposta alimentar aos residentes.
2º, promovendo, colaborando e facilitando a articulação com as diversas instituições, de modo a optimizar as doações de excedentes alimentares e a sua canalização para a população necessitada.
3º, articulando com o Município e com outros núcleos e restantes instituições, por forma a garantir a qualidade e melhorar a resposta no âmbito das áreas de intervenção do combate ao desperdício alimentar.
4º, contribuindo para um Observatório de Combate ao Desperdício Alimentar.
5º, desenvolvendo, participando e apoiando localmente acções de sensibilização de Combate ao Desperdício Alimentar.
Montada esta rede com voluntários, associações e freguesias, previa-se inicialmente que o Comissariado fosse extinto até Novembro de 2016. Acontece que, inesperadamente, este foi confrontado com algumas recentes dificuldades por ultrapassar, equacionando-se agora o seu eventual prolongamento até ao 1º trimestre de 2017.
Para Os Verdes, a questão que subsiste é: após o encerramento do Comissariado, afinal, qual é a capacidade de resposta que a rede local entretanto criada vai conseguir perpetuar se não lhe subsistir uma estrutura colaborativa sólida que minimize o desperdício alimentar? Que debilidades entretanto sentidas são essas e como as ultrapassar?
Primeiro, de acordo com o representante da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) em Portugal, o preço do que comemos está sujeito à oferta e à procura, pelo que, quando se deita comida fora está-se a inflacionar os preços. Verifica-se que se produz em função do lucro e não em função das carências reais das populações. Daí que deveriam ser as necessidades dos consumidores a ditar as formas de produção e não o lucro pelo lucro.
Em segundo lugar, há que sensibilizar todos os intervenientes no processo, incluindo produtores, distribuidores e consumidores, o que extravasa as competências do Comissariado. Neste contexto, é fundamental que o Governo defina, com urgência, uma estratégia nacional que configure não apenas um plano de intervenção, como de educação para a sustentabilidade, tendo em vista a gestão eficiente dos alimentos, ao logo da cadeia de produção e distribuição, orientando campanhas de sensibilização junto dos agentes económicos, dos consumidores e mesmo nas escolas, para se evitar o desperdício alimentar.
Em terceiro lugar, algumas freguesias queixaram-se, recentemente, da deficiente qualidade alimentar dos produtos em doação, pois chegam aos seus destinatários já estragados. Assim, é fulcral não apenas explicar as diferenças entre “consumir antes de” e “consumir de preferência até”, como as sobras de comida terem de cumprir regras de conservação. De acordo com a ASAE, existe mau manuseio e falta de refrigeração, pelo que, para assegurar que os géneros alimentícios são de qualidade, eles têm de passar a contar com um selo de qualidade.
Em quarto lugar, talvez inesperadamente, uma ou outra freguesia deixou de apoiar as equipas de voluntários, rescindindo a cedência de espaços para a recolha e distribuição dos alimentos desperdiçados. Deslocalizadas, estas equipas voltaram a andar com ‘a casa às costas’, montando e desmontando estruturas de apoio à distribuição dos alimentos, o que faz que “com este calor e ao ar livre, o pão endurece muito mais facilmente e não é consumível” e outros produtos se tornem perecíveis, comprometendo a qualidade dos alimentos. São situações nas quais o Comissariado pouco pode intervir, mas que poderão ser ultrapassadas com os devidos apoios governamentais.
Em quinto lugar, há que reconhecer que os produtos alimentícios não podem ser distribuídos independentemente de situações alergológicas e dos casos clínicos dos consumidores, como hipertensão, diabetes, etc., pelo que há que garantir níveis de saúde pública, por meio do acompanhamento clínico dos destinatários dos produtos alimentares.
Em suma, é fundamental esclarecer que, quando estamos a falar de combate ao desperdício alimentar, é preciso que se tenha consciência de que não estamos a falar de meras medidas assistencialistas. Combater o desperdício alimentar não é dar as sobras aos pobres, é antes fazer com que todas as pessoas tenham condições de acesso aos bens alimentares que já existem no mercado.
Mas é também o alertar para regras quanto à retirada de determinados alimentos dos circuitos comerciais, como frutas e produtos hortícolas, onde indevidamente se associam a qualidade do produto ao seu aspecto, dimensão e calibragem, critério que não tem rigorosamente nada que ver com qualidade e que contribui extraordinariamente para grandes lógicas de desperdício alimentar, que têm de ser combatidas. Felizmente, já existem circuitos de oferta da denominada ‘fruta feia’.
Falta, enfim, encontrar respostas sustentáveis para a inevitabilidade da integração de pessoas e famílias em condições de evidente debilidade clínica e de fragilidade dos seus níveis social e económico.
É neste sentido que Os Verdes apresentam a sua recomendação, para que o trabalho inicial coordenado pelo Comissariado não se fique pelo caminho após a sua extinção. Falta agora a sua integração numa rede de apoios de âmbito nacional que lhe dê continuidade.

J. L. Sobreda Antunes
Grupo Municipal de Os Verdes

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